ADONIRAM JUDSON
Missionário na Birmãnia
O missionário, magro e enfraquecido pelos sofrimentos e privações, foi
conduzido entre os mais endurecidos criminosos, com gado, a chicotadas e sobre
a areia ardente, para a prisão. Sua esposa conseguiu entregar-lhe um
travesseiro para que pudesse dormir melhor no duro solo da prisão. Porém ele
descansava ainda melhor porque sabia que dentro do travesseiro, que tinha
abaixo da cabeça, estava escondida a preciosa porção da Bíblia que traduzira
com grandes esforços para a língua do povo que o perseguia.
Aconteceu que o carcereiro requisitou o travesseiro para o seu próprio uso! Que podia
fazer o pobre missionário para readquirir seu tesouro? A esposa então
preparou, com grandes sacrifícios, um travesseiro melhor e conseguiu trocá-lo
com o do carcereiro. Dessa forma a tradução da Bíblia foi conservada na prisão
por quase dois anos; a Bíblia inteira, depois de completada por ele, foi dada,
pela primeira vez, aos milhões de habitantes da Birmânia.Em toda a história, desde o tempo dos
apóstolos, são poucos os nomes que nos inspiram tanto a esforçarmo-nos pela
obra missionária como os nomes desse casal, Ana e Adoniram Judson. Em certa
igreja em Malden, subúrbio de Boston, encontra-se uma placa de mármore com a seguinte
inscrição:
Memorial
Rev. Adoniram Judson
Nasceu: 9 - agosto - 1788
Morreu: 12 - abril - 1850
Lugar de seu nascimento: Malden
Lugar de seu sepultamento: o mar
Seu monumento: OS SALVOS DA BIRMÂNIA E A
BÍBLIA BIRMANESA
Seu histórico: nas alturas
Adoniram fora uma criança precoce; sua mãe ensinou-o a ler um capítulo inteiro da
Bíblia, antes de ele completar quatro anos de idade.
Seu pai inculcou-lhe o desejo ardente de, em tudo quanto fazia,
aproximar-se sempre da perfeição, sobrepondo-se a qualquer de seus companheiros. Esta foi
a norma de toda a sua vida.
O tempo que passou nos estudos foram os anos em que o ateísmo, que teve sua origem
na França, se infiltrou no país. O gozo de seus pais, ao saberem que o filho
ganhara o primeiro lugar na sua classe, transformou-se em tristeza, quando ele
os informou de que não mais acreditava na existência de Deus. O recém-diplomado
sabia enfrentar os argumentos de seu pai, que era pastor instruído, e jamais
sofrera de tais dúvidas. Contudo as lágrimas e admoestações de sua mãe, depois
de o moço sair da casa paterna, estavam sempre perante ele.
Não
muito depois de "ganhar o mundo", na casa dum tio, encontrou-se com
um jovem pregador. Este conversou com ele tão seriamente acerca da sua alma,
que Judson ficou muito impressionado. Passou o dia seguinte sozinho, em viagem
a cavalo. Ao anoitecer, chegou a uma vila onde passou a noite numa pensão. No
quarto contíguo ao que ele ocupou, estava um moço moribundo, e Judson não conseguiu
reconciliar o sono durante a noite. - O moribundo seria crente? Estaria
preparado para morrer? Talvez fosse "livre pensador", filho de pais
piedosos que oravam por ele! O que também o perturbava era a lembrança dos
seus companheiros, os alunos agnósticos do colégio de Providence. Como se
envergonharia, se os antigos colegas, especialmente o sagaz compadre Ernesto,
soubessem o que agora sentia em seu coração!
Ao amanhecer o dia, disseram-lhe que o moço morrera. Em resposta à sua
pergunta, foi informado de que o falecido era um dos melhores alunos do
colégio de Providence, cujo nome era Ernesto!
Judson, ao saber da morte de seu companheiro ateu, ficou estupefato. Sem
saber como, estava em viagem de volta a casa. Desde então desapareceram todas as
suas dúvidas acerca de Deus e da Bíblia. Soavam-lhe constantemente aos
ouvidos as palavras: "Morto! Perdido! Perdido!"
Não
muito depois deste acontecimento, dedicou-se solenemente a Deus e começou a
pregar. Que a sua consagração era profunda e completa ficou provado pela
maneira como se aplicou à obra de Deus.
Nesse tempo, Judson escreveu à noiva: "Em tudo que faço,
pergunto a mim mesmo: Isto agradará ao Senhor?... Hoje alcancei maior grau do
gozo de Deus, tenho sentido grande alegria perante o seu trono".
É assim que Judson nos conta a sua chamada para o serviço
missionário: "Foi quando andava num lugar solitário, na floresta,
meditando e orando sobre o assunto e quase resolvido a abandonar a idéia, que
me foi dada a ordem: 'Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda a criatura'.
Este assunto foi-me apresentado tão claramente e com tanta força, que resolvi
obedecer, apesar dos obstáculos que se apresentaram diante de mim".
Judson, com quatro dos seus colegas, reuniram-se junto a um montão de feno, para orarem e
ali solenemente dedicarem, perante Deus, suas vidas para levar o Evangelho
"aos confins da terra". Não havia qualquer junta de missões para os
enviar. Contudo, Deus honrou a dedicação dos moços, tocando nos corações dos
crentes, para suprirem o dinheiro.Judson foi chamado, então, a ocupar um lugar no corpo
docente na universidade de Brown, mas recusou o convite. Depois foi chamado a
pastorear uma das maiores igrejas da América do Norte. Este convite, também,
foi rejeitado. Foi grande o desapontamento de seu paí e o choro de sua mãe e
irmã ao saberem que Judson se oferecera para a obra de Deus no estrangeiro,
onde nunca fora proclamado o Evangelho.
A esposa de Judson mostrou ainda mais heroísmo porque era a primeira mulher
que sairia dos Estados Unidos, como missionária. Com a idade de dezesseis anos,
teve a sua primeira experiência religiosa. Vivia tão entregue à vaidade que
seus conhecidos receavam o castigo repentino de Deus sobre ela. Então, em certo
domingo, enquanto se preparava para o culto, ficou profundamente comovida pelas
palavras: "Aquela que vive nos prazeres, apesar de viver, está morta".
Acerca da sua vida transformada, escreveu-lhe ela mais tarde: "Eu
desfrutava dia após dia, a doce comunhão com o bendito Deus; no coração sentia
o amor que me ligava aos crentes de todas as denominações; achei as sagradas
Escrituras doces ao paladar, senti tão grande sede de conhecer as coisas
religiosas que, freqüentemente, passava quase noites inteiras lendo". Todo
o ardor que mostrara na vida mundana agora o sentia na obra de Cristo. Por
alguns anos, antes de aceitar a chamada missionária, era professora e se
esforçava em ganhar os alunos para Cristo.
Adoniram, depois de despedir-se de seus pais para iniciar sua viagem à Índia, foi acompanhado
até Boston por seu irmão, Elnatã, moço ainda não-salvo. No caminho, os dois
apearam dos seus cavalos, entraram na floresta e lá, de joelhos, Adoniram rogou
a Deus que salvasse seu irmão. Quatro dias depois, os dois se separaram para
não se verem mais neste mundo. Alguns anos depois, porém, Adoniram teve
notícias de que seu irmão recebera também a herança no reino de Deus.
Judson e sua esposa embarcaram para a Índia em 1812, passando quatro meses
a bordo do navio. Aproveitando essa oportunidade para estudar, os dois chegaram
a compreender que o batismo bíblico é por imersão, e não por aspersão, como a sua denominação
o praticava. Não considerando a oposição de seus muitos conhecidos, nem o seu
sustento, não vacilaram em informar isso àqueles que os tinham enviado. Foram
batizados por imersão no porto de desembarque, Calcutá.
Expulsos logo dessa cidade, por causa da situação política, fugiram de
país em país. Por fim, dezessete longos meses depois de partirem da América,
chegaram a Rangum, na Birmânia. Judson estava quase exausto por causados
horrores que sofrera a bordo; sua esposa, estava tão perto da morte que não
mais podia caminhar, sendo levada para terra em uma padiola.
O império da Birmânia de então era mais bárbaro, e de língua e
costumes mais estranhos do que qualquer outro país que os Judson tinham visto.
Ao desembarcarem os dois, em resposta às orações feitas durante as longas vigílias
da noite, foram sustentados por uma fé invencível e pelo amor divino que os
levava a sacrificar tudo, para que a gloriosa luz do Evangelho raiasse também
nas almas dos habitantes desse país.
Agora, um século depois, podemos ver como o Mestre dirigia seus servos,
fechando as portas, durante a prolongada viagem, para que não fossem aos
lugares que esperavam e desejavam ir. Hoje pode-se ver claramente que Rangum,
o porto principal da Birmânia, era justamente o ponto mais estratégico para
iniciar a ofensiva da Igreja de Cristo contra o paganismo no continente
asiático.
No difícil estudo do idioma birmanês foi necessário fazer o seu
próprio dicionário e gramática. Passaram-se cinco anos e meio antes de fazerem
o primeiro culto para o povo. No mesmo ano batizaram o primeiro convertido
apesar de cientes da ordem do rei de que ninguém podia mudar de crença sem ser
condenado à morte.
Ao sair da sua terra para ser missionário, Judson levava uma
soma considerável de dinheiro. Essa quantia ele a ganhara de seu emprego e
parte recebeu-a de ofertas de parentes e amigos. Não só colocou tudo isto aos
pés daqueles que dirigiam a obra missionária mas, também, a elevada quantia de
cinco mil e duzentos rúpias que o Governador Geral da Índia lhe pagara por seus serviços prestados
por ocasião do armistício de Yandabo.
Recusou
o emprego de intérprete do governo, com salário elevado, escolhendo antes
sofrer as maiores privações e o opróbrio, para ganhar as almas dos pobres
birmaneses para Cristo.
Durante
onze meses, esteve preso em Ava. (Ava era naquele tempo a capital da
Birmânia.) Passou alguns dias, com mais sessenta outros sentenciados à morte,
encerrado em um edifício sem janelas, escuro e quente, abafado e imundo em
extremo. Passava o dia com os pés e mãos no tronco. Para passar a noite, o
carcereiro enfiava-lhe um bambu entre os pés acorrentados, juntando-o com
outros prisioneiros e, por meio de cordas, arribava-os para apenas os ombros
descansarem no chão. Além desse sofrimento, tinha de ouvir constantemente
gemidos misturados com o falar torpe dos mais endurecidos criminosos da
Birmânia. Vendo os outros prisioneiros arrastados para fora para morrer às mãos
do carrasco, Judson podia dizer: "Cada dia morro". As cinco cadeias
de ferro pesavam tanto, que levou as marcas das algemas no corpo até a morte.
Certamente ele não teria resistido, se a sua fiel esposa não tivesse
conseguido permissão do carcereiro para, no escuro da noite, levar-lhe comida e
consolá-lo com palavras de esperança.
Um
dia porém, ela não apareceu; essa ausência durou vinte longos dias. Ao
reaparecer, trazia nos braços uma criancinha recém-nascida.
Judson,
uma vez liberto da prisão, apressou-se o mais possível a chegar a casa, mas
tinha as pernas estropiadas pelo longo tempo que passara no cárcere. Fazia
muitos dias que não recebia notícias de sua querida Ana! - Ela ainda vivia? Por
fim, encontrou-a, ainda viva, mas com febre, e próximo de morte.
Dessa
vez ela ainda se levantou, mas antes de completar 14 anos na Birmânia,
faleceu. Comove a alma ao ler a dedicação de Ana Judson ao marido, e a parte
que desempenhou na obra de Deus, e em casa até o dia da sua morte.
Alguns
meses depois da morte da esposa de Judson, a sua filha também morreu. Durante
os seis longos anos que se seguiram, ele trabalhou sozinho, casando-se, então,
com a viúva de outro missionário. A nova esposa, gozando os frutos dos esforços
incessantes na Birmânia, mostrou-se tão dedicada ao marido como a primeira.
Judson
perseverou durante vinte anos para completar a maior contribuição que se podia
fazer à Birmânia, a tradução da Bíblia inteira na própria língua do povo.
Depois
de trabalhar constantemente no campo estrangeiro durante trinta e dois anos,
para salvar a vida da esposa, embarcou com ela e três dos filhos, de volta à
América, sua terra natal. Porém, em vez de ela melhorar da doença que sofria,
como se esperava, morreu durante a viagem, sendo enterrada em Santa Helena,
onde o navio aportou.
-
Quem poderá descrever o que Judson sentiu ao desembarcar nos Estados Unidos,
quarenta e cinco dias depois da morte da sua querida esposa?! Ele, que
estivera ausente durante tantos anos da sua terra, sentia-se agora perturbado
acerca da hospedagem nas cidades de seu país. Surpreendeu-se, depois de
desembarcar, ao verificar que todas as casas se abriam para recebê-lo. Seu nome
tornara-se conhecido de todos. Grandes multidões afluíam para ouvi-lo pregar.
Porém, depois de passar trinta e dois anos ausente na Birmânia, naturalmente,
sentia-se como se estivesse entre estrangeiros, e não queria levantar-se
diante do público para falar na língua materna. Também sofria dos pulmões e era
necessário que outrem repetisse para o povo o que ele apenas podia dizer
balbuciando.
Conta-se
que, certo dia, num trem, entrou um vendedor de jornais. Judson aceitou um e,
distraído, começou a lê-lo; o passageiro ao lado chamou-o a atenção, dizendo
que o rapaz ainda esperava o níquel pelo jornal. Olhando para o vendedor, pediu
desculpas, pois pensara que oferecessem o jornal de graça, visto que ele
estava acostumado a distribuir muita literatura na Birmânia sem cobrar um
centavo, durante muitos anos.
Passara
apenas oito meses entre seus patrícios, quando se casou de novo e embarcou pela
segunda vez para a Birmânia. Continuou a sua obra naquele país, sem cansar,
até alcançar a idade de sessenta e um anos. Judson foi, então, chamado a estar
com o seu Mestre enquanto viajava longe da família. Conforme o seu desejo, foi
sepultado em alto mar.
Adoniram
Judson costumava passar muito tempo orando de madrugada e de noite. Diz-se que
gozava da mais íntima comunhão com Deus enquanto caminhava apressadamente. Os
filhos, ao ouvirem seus passos firmes e resolutos dentro do quarto, sabiam que
seu pai estava levando suas orações ao trono da graça. Seu conselho era: "Planeja
os teus negócios se for possível, para passares duas a três horas, todos os
dias, não só em adoração a Deus, mas orando em secreto".
Sua
esposa conta que, durante a sua última doença, antes de falecer, ela leu para
ele a notícia de certo jornal, acerca da conversão de alguns judeus na
Palestina, justamente onde Judson queria trabalhar antes de ir à Birmânia.
Esses judeus, depois de lerem a história dos sofrimentos de Judson na prisão
de Ava, foram inspirados a pedir, também, um missionário e assim iniciou-se uma
grande obra entre eles.
Ao
ouvir isto, os olhos de Judson se encheram de lágrimas, tendo o semblante
solene e a glória dos céus estampada no rosto, tomou a mão de sua esposa
dizendo: "Querida, isto me espanta. Não compreendo. Refiro-me à notícia
que leste. Nunca orei sinceramente por uma coisa sem a receber; recebi-a apesar
de demorada, de alguma maneira, e talvez numa forma que não esperava, mas a
recebi. Contudo, sobre este assunto eu tinha tão pouca fé! Que Deus me perdoe
e, enquanto na sua graça quiser me usar como seu instrumento, limpe toda a
incredulidade de meu coração".
Nesta
história, nota-se outro fato glorioso: Deus não só concede frutos pelos
esforços dos seus servos, mas, também, pelos seus sofrimentos. Por muitos
anos, até pouco antes da sua morte, Judson considerava os longos meses de
horrores da prisão em Ava, como inteiramente perdidos à obra missionária.
No
começo do trabalho na Birmânia, Judson concebeu a idéia de evangelizar, por fim,
todo o país. A sua maior esperança era ver durante a sua vida, uma igreja de
cem birmaneses salvos e a Bíblia impressa na língua desse país.No ano da sua
morte, porém, havia sessenta e três igrejas e mais de sete mil batizados, sendo
os trabalhos dirigidos por cento e sessenta e três missionários, pastores e
auxiliares. As horas que passou diariamente suplicando ao Deus que dá mais do
que tudo quanto pedimos ou pensamos, não foram perdidas.
Durante
os últimos dias da sua vida fazia menção, muitas vezes, do amor de Cristo. Com
os olhos iluminados e as lágrimas correndo-lhe pelas faces, exclamava:
"Oh! o amor de Cristo! O maravilhoso amor de Cristo, a bendita obra do
amor de Cristo!" Certa ocasião ele disse: "Tive tais visões do amor
condescendente de Cristo e da glória do Céu, que, creio, quase nunca são
concedidas aos homens. Oh! o amor de Cristo! É o mistério da inspiração da vida
e a fonte da felicidade nos céus. Oh! o amor de Jesus! Não o podemos
compreender agora, mas quão grande será em toda a eternidade!
Acrescentamos
o último parágrafo da biografia de Adoniram Judson escrita por um dos seus
filhos. Quem pode lê-lo sem sentir o Espírito Santo o animar a tomar parte
ativa e definida em levar o Evangelho a um dos muitos lugares sem o Evangelho?
Até aquele
dia, quando todo o joelho se dobrará perante o Senhor Jesus, os corações
crentes serão movidos aos maiores esforços, pela lembrança de Ana Judson,
enterrada debaixo do hopiá (uma árvore) na Birmânia; de Sara Judson,
cujo corpo descansa na ilha pedregosa de Santa Helena e de Adoniram Judson,
sepultado nas águas do oceano Índico.
Extraído do livro: Heróis da fé - Orlando Boyer
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